Pauta Ká

Ok.

Tô com uma pulga aqui, atrás da orelha.
Aqui, dentro do peito.
Aqui, bem aqui.
Cadê aquele pedaço de respeito que eu merecia? A despeito de você, ainda acho que mereço.
Melhor ainda;
Mereço por nunca ter feito nada que te ferisse o orgulho. Ou o ideal. Ou qualquer coisa.
Eu ainda digo, não foi nada sobre você.

estando errada

Como acho plenamente justo estar. Como acho plenamente fácil estar. Como acho que nunca vou entender o seu lado incompreensivo.

do outro lado

O espelho diz, mesmo quando não se quer ouvir. Ele te encara com o olhar mais penoso do mundo: o seu. Penoso de frustração, penoso de cansaço. E, no fundo do espelho, a verdadeira imagem por trás do objeto é a única invisível aos olhos. Invisível ao coração.

Por fora, o rascunho. Por dentro, a obra prima que nunca se fêz.

hollywood

Não esquente com o meu copo de drama; é vitalício pra minha saúde. Não a saúde do coração, nem a saúde do cérebro, mas a saúde do inconsciente, então, não esquente, mesmo. Eu só preciso volta e meia materializar a inquietude e tomar o papel da vítima - não porque o sucesso do predador me assusta, mas porque a inocência da fragilidade me seduz. Então me deixe ser uma criança nessas tardes de chuva; me deixe sentir medo do farol de trás que se aproxima rápido e o medo dos seus pensamentos se acercando dos meus. Apenas me permita o luxo de não me responsabilizar pelos meus próprios desvios, uma só vez, só uma. Me deixe chorar por bobagem, me deixe xingar o mundo porque estou com raiva dele e xingar você porque te quero bem e sei que não vai me deixar aos prantos num beco urbano qualquer. Hoje eu preciso simplesmente gozar da certeza da razão, mesmo que uma razão ilógica, mesmo que infantil. Hoje eu só quero deitar a cabeça naquele travesseiro e imaginar que poderia arranhar as costas num chão de supermercado e gritar até toda a irracionalidade sumir - e levar com ela essa vontade de me tonar tão só.

do que se colhe;

É absurdo - a colheita é inevitável, o plantio é de sua escolha. Essa coisa de viver no remorso do que se poderia ter sido e nunca foi - resultado imediato. A angústia da espera, a angústia da frustração, a angústia da incapacidade absoluta de se fazer diferente. É o olhar ainda infantil, ainda inexperiente, ainda egocêntrico; que se espalha em cacos quando a realidade se mostra em quinhentas tonalidades diferentes. Tão inaceitável quanto a fadiga é o desespero - esse de se querer controlar o tempo, se se querer acontecer plenamente. A ampulheta inerte, totalmente away aos escrúpulos. É uma dor de cabeça que parece não terminar nunca, é um choro escarniçado e cheio de rótulos - por ser fraco, por ser vão, por ser auto-destrutivo.

É o contraste entre o que se quer e o que se pode - quando se quer porque se pode, e não o contrário.

Pra quem sabe olhar pra trás,

nenhuma rua é sem saída. Nenhuma escada é muito longa, nenhuma estrada é infinita.

Eis a Temporada das Flores; não das violetas, nem das rosas, nem de todas as espécies multicoloridas que metaforizam a esperança - mas a temporada do alvorecer, do brotar, do colher dos atos. Aqui se fará intenso o que por todos esses dias têm sido áspero e desinteressante. Aqui se fará verdade o que por todos esses anos têm sido ilusório e esporádico. Aqui se fará primavera quando muitas e muitas sementes já haviam desistido...

O sol do meio-dia

Um mundo lamacento vem tomando conta deste interior, proliferando seus musgos nojentos e seus organismos patógenos. Há mais de anos que se instala como um habitát parasita, ignorando os apelos de pequenas larvas silvestres. Este mundo se expande como a teoria reversa ao Big Crush. A vida é rala e pouco se aproveita. O solo é infértil e pouco se planta - apenas as ervas daninhas usufruem dos nutrientes escassos e da luz solar que pobremente penetra a folhagem seca.
O mar se exalta, as ondas adquirem proporções gigantescas, e o furioso oceano declara guerra à toda aquela tristeza.
E, num tsunami de valores intangíveis, a lama corre na velocidade da luz, limpando o terreno, abrindo caminho para as sementes escondidas.
O sol do meio-dia já não vê obstáculos, seus raios invadem aquela terra carente e a enchem de vontade. Os resquícios de fraqueza murcham sob o peso daquele calor desconhecido. E há a persistência precoce de se querer tentar de novo; há uma gama de possibilidades para aqueles pequenos seres escondidos dentro das cavernas escuras.

Lá fora o dia é outro, e o mundo não é mais viscoso. A força das marés e das palavras exime o interior das depressões infundadas e dos olhares coalhados. Tardes melhores virão dali pra frente.