do que se colhe;

É absurdo - a colheita é inevitável, o plantio é de sua escolha. Essa coisa de viver no remorso do que se poderia ter sido e nunca foi - resultado imediato. A angústia da espera, a angústia da frustração, a angústia da incapacidade absoluta de se fazer diferente. É o olhar ainda infantil, ainda inexperiente, ainda egocêntrico; que se espalha em cacos quando a realidade se mostra em quinhentas tonalidades diferentes. Tão inaceitável quanto a fadiga é o desespero - esse de se querer controlar o tempo, se se querer acontecer plenamente. A ampulheta inerte, totalmente away aos escrúpulos. É uma dor de cabeça que parece não terminar nunca, é um choro escarniçado e cheio de rótulos - por ser fraco, por ser vão, por ser auto-destrutivo.

É o contraste entre o que se quer e o que se pode - quando se quer porque se pode, e não o contrário.

Pra quem sabe olhar pra trás,

nenhuma rua é sem saída. Nenhuma escada é muito longa, nenhuma estrada é infinita.

Eis a Temporada das Flores; não das violetas, nem das rosas, nem de todas as espécies multicoloridas que metaforizam a esperança - mas a temporada do alvorecer, do brotar, do colher dos atos. Aqui se fará intenso o que por todos esses dias têm sido áspero e desinteressante. Aqui se fará verdade o que por todos esses anos têm sido ilusório e esporádico. Aqui se fará primavera quando muitas e muitas sementes já haviam desistido...

O sol do meio-dia

Um mundo lamacento vem tomando conta deste interior, proliferando seus musgos nojentos e seus organismos patógenos. Há mais de anos que se instala como um habitát parasita, ignorando os apelos de pequenas larvas silvestres. Este mundo se expande como a teoria reversa ao Big Crush. A vida é rala e pouco se aproveita. O solo é infértil e pouco se planta - apenas as ervas daninhas usufruem dos nutrientes escassos e da luz solar que pobremente penetra a folhagem seca.
O mar se exalta, as ondas adquirem proporções gigantescas, e o furioso oceano declara guerra à toda aquela tristeza.
E, num tsunami de valores intangíveis, a lama corre na velocidade da luz, limpando o terreno, abrindo caminho para as sementes escondidas.
O sol do meio-dia já não vê obstáculos, seus raios invadem aquela terra carente e a enchem de vontade. Os resquícios de fraqueza murcham sob o peso daquele calor desconhecido. E há a persistência precoce de se querer tentar de novo; há uma gama de possibilidades para aqueles pequenos seres escondidos dentro das cavernas escuras.

Lá fora o dia é outro, e o mundo não é mais viscoso. A força das marés e das palavras exime o interior das depressões infundadas e dos olhares coalhados. Tardes melhores virão dali pra frente.

A certeza do Recomeço

O indivíduo que teve a idéia de fatiar o tempo em anos foi um ser humano genial. Criou o comércio da esperança.
A indústria do otimismo.
A inabalável perspectiva de um prefácio de sucessos que vem com o bradar do "Feliz Ano Novo."
Ela olha pela janela e imagina que tipo de sentimento entrará por entre aquelas cortinas 365 dias depois, quando a introspecção trará a pergunta: "Foi capaz de tudo o que prometeu?"
Ela olha para os sapatos velhos e sujos que já não servem mais - não pelo tamanho, mas porque mamãe a proibiu de usá-los de novo. Olha para a foto tirada em Julho, que perpetua aquele momento insolúvel e eterno. Olha para as próprias mãos e percebe a certeza do Recomeço - e se censura por tantas vezes chorar leites derramados e vencidos sendo que, quando chega Dezembro, nada daquilo faz mais sentido. O cosmo lhe oferece a nova chance, o cabelo crescerá até dois milímetros por mês.

As pessoas lá fora disparam seus fogos de artifício como se gritassem aos céus: "Ainda estamos aqui, Deus, nem mesmo o eco da sua gargalhada nos faz desistir! Nem mesmo o seu silêncio nos desanima! Estamos continuando!"
E Deus sorri, assim como ela.